Atlas Universal Aguilar, 1954

Olá, caríssimo(a) leitor(a) que me acompanha nas deambulações que faço sobre uns antigos livros, cheios de mapas, a que chamamos atlas! E hoje, pela primeira vez, vamos falar de um atlas espanhol.

Trata-se do Atlas Universal Aguilar, publicado em 1954, pela editora Aguilar, S.A. de Ediciones, de Madrid. Da autoria de José Aguilar, Elisa García Aráez e Antonio Villarroya, o seu lançamento foi considerado um verdadeiro acontecimento cartográfico no país vizinho, porque se tratou do primeiro atlas espanhol moderno.

O exemplar de que hoje lhe trago, e cuja capa pode ver acima, já o tenho em minha casa há muitos anos. Comprei-o nos inícios da década de 1990, num mercado de livros usados em Salamanca, em plena Plaza Mayor. Não me recordo quanto me custou na época, mas, é claro, ainda paguei em pesetas.

Pelos vistos, em Espanha, antes da publicação do Atlas Universal Aguilar havia apenas um grande atlas, o Atlas Geográfico Universal, de Juan Vilanova y Piera (1821-1893), publicado em Madrid em 1887. Mas muitos diziam que de grande só tinha o tamanho e o peso...

Atlas com textos e ilustrações abundantes

Em termos de tipologia, de uma forma geral, podemos dizer que há dois tipos de atlas:

De um lado, temos atlas como o conhecido Stielers Handatlasde que já falámos – ou o Atlante Internazionale del Touring Club Italiano – de que falaremos um dia destes, entre muitos outros, é claro. Têm em comum o facto de se tratarem de meras coleções de mapas, sem praticamente outro texto para além do índice de topónimos e, mesmo esse, no caso do atlas italiano, surge-nos num volume aparte.

Do outro lado, temos os atlas que juntam textos, ilustrações e mapas; às vezes, aproveitando para aqueles o verso destes. Assim sucede, por exemplo, com o Atlas de Géographie Moderne, de F. Schrader, F. Prudent e E. Anthoine – de que também iremos falar proximamente  e com o objeto do nosso estudo de hoje: o Atlas Universal Aguilar.

Carta da Leão e da parte ocidental de Castela-a-Velha, da secção "Atlas geográfico de Espanha", com a zona fronteiriça de Portugal à esquerda.

A editora

A editora que publicou este atlas foi criada em 1923, em Madrid, por Manuel Aguilar Muñoz (1888-1965).

Manuel Aguilar nasceu numa aldeia do interior da província de Valência, no seio de uma família numerosa. Começou a trabalhar aos 12, mas, quatro anos mais tarde, abandonou a casa dos pais, rumando a Barcelona. Começou por vender jornais, mas, pouco depois, tornou-se jornalista. No entanto, um artigo que escreveu meteu-o em sarilhos com a justiça, tendo de fugir do país. Acabou em Paris, a dar aulas de espanhol e a fazer traduções para diversas editoras francesas. Após uma breve passagem por Buenos Aires, voltou à capital francesa, ao serviço da célebre editora Hachette. De regresso a Espanha, estabeleceu-se em Madrid e, graças a um empréstimo concedido por um livreiro amigo, criou a editora: Aguilar, S.A. de Ediciones (Aguilar, Sociedade Anónima de Edições).

Para a editora Aguilar trabalharam alguns dos intelectuais, tradutores, escritores e críticos espanhóis mais proeminentes. Em 1924, Manuel Aguilar comprou, em Londres, os direitos para editar a obra de Edgar Wallace e, mais tarde, adquiriu os de George Bernard Shaw e H.G. Wells. De seguida, publicou a primeira edição completa em espanhol de O Capital, de Karl Marx.

Em 1933, Manuel Aguilar foi um dos impulsionadores da primeira Feira do Livro de Madrid.

A editora sobreviveu à Guerra Civil Espanhola (1936-1939), mas, para conseguir prosperar nos anos extraordinariamente difíceis que se lhe seguiram, abriu duas livrarias no centro de Madrid onde passou a comercializar as suas obras diretamente ao público. A partir de 1946, avançou para a América Latina, criando uma subsidiária em Buenos Aires e, logo depois, expandindo também a sua produção para Bogotá, Cidade do México, Montevideu e Caracas. Manuel Aguilar criou, também, um serviço de venda de livros a prestações e lançou novas coleções, desta vez dirigidas a áreas científicas, como a Biblioteca de Ciências Económicas e Sociais e a Coleção de Ciência e Tecnologia.

E é nesse cenário de criação de obras científicas a pensar, não só em Espanha, mas também em toda a América Latina que, em 1954, surgiu um outro projeto notável, a criação de uma secção cartográfica dentro da editora que foi responsável pela elaboração do Atlas Universal Aguilar.

O atlas

O Atlas Universal Aguilar é composto por um prefácio, com a designação de “Advertência preliminar”, a que se seguem três grandes secções: primeira parte: “Introdução geográfica e estatística”; segunda parte: “Atlas geográfico universal” e “Atlas geográfico de Espanha, protetorado de Marrocos e colónias”; terceira parte: “Vocabulário e índices”.

E é na “Advertência preliminar” que os autores esclarecem o porquê deste atlas:

“Em Espanha, Portugal e Ibero-América não existe nenhum grande atlas universal digno desse nome. Os de outras proveniências são dificilmente acessíveis. Para além disso, estão orientados – como é lógico – pelos pontos de vista próprios das nações que os conceberam. Assim, por exemplo, vastas extensões da América do Sul surgem neles retratadas numa escala muito menor – com a consequente perda de detalhe – do que a aplicada aos mapas dos Estados Unidos ou da Europa. Já para não falar que o vocabulário geográfico empregado não é castelhano e as transcrições dos nomes noutras línguas resultam-nos tão impronunciáveis como as grafias originais desses mesmos vocábulos.”

Ou seja, a obra propõe-se colmatar uma lacuna sentida, não só pelos espanhóis, como pelos povos da América Latina e, curiosamente, também pelos portugueses!

É também nestas advertências preliminares que são expostas as regras seguidas na transcrição dos topónimos e os princípios gerais da representação cartográfica. Os textos são acompanhados por muitos desenhos e por uma tabela em que são dados exemplos de mapas de várias escalas.

A primeira parte, “Introdução geográfica e estatística” que ocupa umas extensas 124 páginas de texto em três colunas, constitui, praticamente, um tratado de geografia geral (onde até se incluem capítulos sobre assuntos astronómicos e geológicos), também abundantemente acompanhada por mapas, diagramas, desenhos e fotografias e uma série de 14 planisférios – nas mais variadas projeções – relacionados com condições físicas, o povoamento humano e o desenvolvimento económico. Aqui, tal como um pouco por todo o lado, existem numerosos erros nos topónimos, devido, possivelmente, a uma revisão menos cuidada das provas e a algumas incoerências. Ainda na primeira parte, depois da introdução geográfica e estatística, segue-se um "Repertório geográfico universal", uma série de quadros em que, para cada país, são indicados a área, a população, a forma de governo, a capital, as principais cidades, a língua, a religião predominante, os principais produtos, etc.

A secção "Introdução geográfica e estatística" é um autêntico compêndio do conhecimento geográfico da época, estendendo-se por 124 páginas.

Inicia-se então a segunda parte constituída pelo “Atlas geográfico universal” e pelo “Atlas geográfico de Espanha”. Por regra, no verso de cada carta há textos impressos a duas colunas e, também, uma série de reproduções fotográficas, impressas pelo processo de rotogravura.

No entanto, do ponto de vista gráfico, os resultados conseguidos ficam visivelmente aquém dos principais atlas congéneres de outros países, publicados pela mesma época. Os mapas são essencialmente político-administrativos, com uma ampla variedade de cores pouco harmoniosas, o que os torna pouco apelativos. O relevo surge esbatido, exceto nos mapas gerais das várias partes do mundo, onde o relevo é representado com curvas e tonalidades altimétricas. A clareza dos mapas deixa muito a desejar, também devido à sobrecarga de topónimos, e ao facto de linhas de costa, rede hidrográfica, caminhos de ferro e até limites político-administrativos serem todos representados a preto. Só as estradas são indicadas a vermelho.

A sobrecarga de topónimos, o destaque excessivo dado à subdivisões administrativas de cada país (recorrendo a cores diferentes) e a representação a preto de caminhos de ferro, rios e linhas de costa prejudicam seriamente a clareza de muitos mapas. Como é exemplo a representação da Bolívia.

A maioria dos países europeus está representada à escala de 1:2.500.000 (apenas a Escandinávia, com a Finlândia, e a Rússia estão em escalas menores); os países não europeus estão, geralmente, a 1:10.000.000, exceto aqueles de maior preponderância mundial, como os Estados Unidos, o Japão, etc., ou de maior interesse para Espanha, como as Filipinas e todos os países da América Latina, que estão representados à escala 1:5.000.000. Os mapas gerais das outras partes do mundo estão numa escala que varia de 1:20 a 1:30 milhões.

Os topónimos dos países que utilizam caracteres latinos encontram-se na forma oficial (sempre que existe, a forma espanhola também é indicada). Nos países multilingues, é preferida a forma na língua dominante no próprio local. Nos territórios que mudaram de filiação política, em resultado da Segunda Guerra Mundial, são indicados os novos nomes, com os anteriores entre parênteses: "Kaliningrad (Königsberg)". Foram seguidas regras próprias de transliteração para os países que não utilizam caracteres latinos.

Inseridos nos mapas principais ou em quadros separados, há um grande número de mapas climáticos, étnicos, demográficos, económicos, mapas detalhados de certas regiões, plantas de cidades importantes, etc. Este é um ponto positivo do atlas. No entanto, vários deles apresentam-se significativamente desatualizados, à data da publicação. Por exemplo, o mapa étnico da Europa mostra a situação pré-Segunda Guerra Mundial, com os alemães a leste da linha Oder-Neisse, na Prússia Oriental e na região dos Sudetas.

Não raras vezes, os mapas temáticos apresentam vários erros e desatualizações, à data da publicação. Por exemplo, o mapa étnico da Europa exibe as fronteiras pós-Segunda Guerra Mundial, mas a distribuição étnica é anterior, mostrando populações alemãs a leste da linha Oder-Neisse, na Prússia Oriental e nos Sudetas.

Uma parte particularmente interessante deste atlas  designada como “Atlas geográfico de Espanha” –, funciona como se fosse um pequeno atlas nacional separado. Sob todos os pontos de vista, esta é a melhor parte da obra. Inclui um total de 78 cartas e mapas. Em primeiro lugar, há uma série notável de mapas e cartogramas (principalmente à escala 1:5 e 1:10 milhões) – que, a maioria das vezes, abrangem toda a Península Ibérica – sobre geologia, clima, densidade populacional, características antropológicas, línguas e dialetos, comunicações, condições económicas, etc. A maioria destes são tecnicamente muito bons, se bem que a informação que diz respeito a Portugal parece, quase sempre, menos completa, rigorosa e atualizada. E, não raras vezes, nem sequer há informação sobre o nosso país.

Segue-se uma representação de toda a Espanha (incluindo Canárias) à escala de 1:1.000.000, com um relevo de curvas e tonalidades. Estamos perante uma série de mapas incomparavelmente mais agradáveis, claros e rigorosos do que os da parte do atlas universal. Na mesma escala estão Marrocos (a parte que, na época, era possessão espanhola), o enclave de Ifni, Fernando Pó e Muni (atual Guiné Equatorial), enquanto o Sara espanhol (Sara Ocidental) está à escala 1:5 milhões.

Mesmo o texto inserido no verso desta secção relativa a Espanha – que inclui uma parte geral e depois um tratamento das grandes regiões espanholas – surge-nos numa redação mais leve, evocativa e precisa do que o relativo aos países do mundo, que muitas vezes se reduz a listas inúteis de nomes, com pouca informação e nem sempre correta.

As fotografias reproduzidas, na sua maioria, são sugestivas e de real interesse científico. A obra encerra com um dicionário internacional de termos geográficos e um índice dos nomes contidos nos mapas.

E Portugal?

Mau grado a pretensão dos autores em querer, também, que o Atlas Universal Aguilar colmatasse a falta de um atlas moderno ajustado às necessidades do público português, a verdade é que a obra é muito deficitária do que diz respeito ao nosso país e às possessões ultramarinas da época.

O único mapa em que território português é mostrado com algum pormenor é no mapa da Península Ibérica, onde também se incluem os Açores, a Madeira, as Baleares e as Canárias. Tudo à escala 1:2.500.000.

O Atlas Universal Aguilar dá pouca importância a Portugal. O mapa mais pormenorizado do nosso país é este, que nos apresenta no contexto da Península Ibérica.

Nos textos sobre os diversos países, o relativo a Portugal é reduzido. Tem aproximadamente o mesmo tamanho do texto dedicado à Bulgária ou cerca de metade da extensão do texto da Roménia! Como acontece um pouco por todo o atlas, os erros e gralhas sobre Portugal são bastante frequentes. Aparece-nos “Govilha” (por Covilhã), “Sacarem” (em vez de Sacavém), “Teneiro do Paço” (Terreiro do Paço). Para além do uso de topónimos espanhóis, aplicados a Portugal: Oporto, Braganza, Miño, Duero, Tajo, Sierra de la Estrella, Valencia (referindo-se a Valença do Minho), etc. Para além do mais, o texto contém informação superficial e pouco correta. Afirma-se, por exemplo, que a indústria portuguesa é incipiente como consequência do estipulado no “tratado de Matheun (1704)” – na verdade, o tratado é de Methuen (apelido do embaixador britânico que o negociou) e foi assinado em 1703; mais duas gralhas... Mas será que um tratado de 1703 tinha ainda alguma validade em 1954, 250 anos depois? Dá ideia que as fontes consultadas deveriam ser, provavelmente, já do século anterior...

E sobre o ultramar português – que seria um assunto que também deveria interessar aos portugueses de então –, os textos resumem-se a umas meras linhas: o texto sobre Angola, fica-se pelas 29 linhas; o de Moçambique, pelas 11 linhas; Cabo Verde: 9 linhas; Timor: 8 linhas; Guiné: 6 linhas; Macau 4 linhas e meia; São Tomé e Príncipe: 4 linhas; Índia Portuguesa: 2 linhas e meia. Ou seja, o atlas também não fornece informação minimamente relevante sobre as colónias portuguesas.

Referências a Portugal voltam a aparecer na parte do “Atlas geográfico de Espanha”, nomeadamente na extensa descrição da Península Ibérica – principalmente em mapas temáticos sobre a sua hidrografia, geologia, relevo, clima, etc. – mas com as deficiências que referi acima. Já os textos, mesmo pretendendo referir-se a toda a península, praticamente só se centram em Espanha. Também nos mapas à escala 1:1.000.000 que retratam as diversas regiões espanholas, só surgem pequenas franjas do território português próximas da fronteira espanhola e, mesmo assim, quase completamente despidas de pormenores. Ou seja, é um atlas de Espanha e, por isso, nenhuma atenção especial é dada a Portugal.

É claro que nada disto seria de estranhar, se não tivessem sido os próprios autores a anunciar que este era um atlas orientado também para os portugueses. Na verdade, em nada se vê essa especial atenção a Portugal. Antes pelo contrário. O germânico Stielers Handatlas, por exemplo, inclui cartas de Portugal à escala 1:1.500.000, bastante melhor do que o atlas de nuestros hermanos feito, supostamente, a pensar em todos os povos ibéricos...

Umas poucas imagens e um pequeno texto, de fraca qualidade, é quase só o que há de Portugal.

Conclusão

Ora bem, fizemos aqui várias críticas ao Atlas Universal Aguilar de 1954. Mas é preciso reconhecer que a editora Aguilar tentou fazer algo novo, enfrentando dificuldades científicas, técnicas e financeiras, também devido ao facto de a Espanha ainda estar a lutar para superar a profunda crise financeira que se prolongou por duas décadas, após do final da Guerra Civil.

O atlas foi, na época, muito bem recebido pelo público espanhol, ao ponto de, durante décadas, o atlas Aguilar marcar presença na estante da sala da maioria das famílias espanholas. A receção do público hispano-americano também parece ter sido muito favorável. Não sei como foi no Brasil, mas estou em crer que, em Portugal, o atlas Aguilar não gozou de qualquer eco significativo.

Apesar dos problemas iniciais, a editora Aguilar publicou, até 1968, cinco novas edições do seu Atlas Universal, sucessivamente melhoradas. E, em 1969-1970, lançou o Gran Atlas Aguilar, em três volumes de grande formato, que foi considerado um dos mais completos trabalhos de cartografia publicados depois da Segunda Guerra Mundial. Ou, dito de outra maneira, há que aprender com os erros e persistir. Foi o que a editora Aguilar fez.

Caro(a) leito(a), hoje ficamos por aqui. Voltarei brevemente com mais um atlas da minha coleção. Até à próxima.

Ficha técnica

  • Título: Atlas Universal Aguilar
  • Autor: José Aguilar, Elisa García Aráez e Antonio Villarroya
  • Data: 1954
  • Edição: 1.ª
  • Idioma: espanhol
  • Local: Madrid
  • Editor: Aguilar, S.A. de Ediciones
  • Páginas: 124 pp. de texto, 116 pp. de mapas, 127 de vocabulário e índices
  • Dimensões: 410 x 310 x 56 mm

Gostou deste artigo? Leia também:

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Indicadôr de utilidade pública: Pôrto, 1939

DGEMN, Paço dos Duques de Bragança, Guimarães, 1960

Atlas: muito mais do que simples coleções de mapas