Hammond’s Modern World Atlas and Gazetteer, 1948

Capa da 16.ª edição do Hammond's Modern World Atlas and Gazetteer, publicado em 1948.

Caro(a) leitor(a), dando cumprimento à promessa feita, cá estou eu para lhe apresentar um dos atlas da minha coleção: o Hammond’s Modern World Atlas and Gazetteer, de 1948. É um livrinho que não chega às 50 páginas, de capa mole, que já andava lá por casa quando eu nasci. Era do meu pai que o havia comprado, já não sei se em Goa se em Macau, quando andou por essas, na época, possessões portuguesas. Por esse facto, este pequeno atlas tem, para mim, um significado especial.

Mas antes de ir ao atlas propriamente dito, queria-lhe falar um pouco da origem da editora que o publicou que tem uma história curiosa... E, para isso, vamos ter de recuar até ao início do século XX.

Um colaborador insatisfeito

Estávamos em 1900, Caleb Stillson Hammond trabalhava há seis anos para a Rand McNally, editora especializada em mapas, atlas, globos e livros de geografia. A editora tinha sede em Chicago, mas Caleb estava longe da sede. Dirigia o poderoso escritório de Nova Iorque que supervisiona todas as vendas da Costa Leste dos Estados Unidos.

O negócio corria de feição, mas Caleb não se sentia devidamente valorizado. E quando viu recusado o pedido de aumento do seu salário semanal em 5 dólares, tomou a decisão de se demitir e lançar-se por conta própria.

E, se bem o disse, melhor o fez. No ano seguinte, Caleb criou a empresa C.S. Hammond & Co. que, após um breve período em Brooklyn e Manhattan, estabeleceu-se definitivamente num armazém em Maplewood, na Nova Jérsia, subúrbio onde a sua família residia. A nova empresa dedicou-se exatamente ao negócio que Caleb melhor conhecia: a conceção e comercialização de produtos cartográficos. E fê-lo com tanta dedicação e alcançou tamanho sucesso que os seus antigos patrões da Rand McNally jamais o perdoaram.

A rivalidade foi tal que, durante cem anos, em nenhum mapa publicado pela Rand McNally constava Maplewood, a localidade onde a rival C.S. Hammond tinha a sua sede. Tal situação insólita, só foi sanada no início do século XXI, com o advento da cartografia digital.

Uma empresa de sucesso

Na verdade, ao longo de todo o século XX, Caleb e os familiares que lhe sucederam à frente do negócio conseguiram que a empresa se afirmasse como uma das maiores editoras americanas de cartografia, inclusive produzindo mapas para revistas como a Time, a Newsweek e a Reader’s Digest. A C.S. Hammond & Co. foi detida pela família Hammond até 1999, quando foi comprada pela editora alemã Langenscheidt, especializada em dicionários e guias de línguas.

Verso da capa e página I.

Mas voltando ao meu atlas, trata-se da 16.ª edição do Modern World Atlas and Gazetteer que, como já disse, foi publicado em 1948. Apesar de ter apenas 48 páginas, contém muita informação, que ocupa até o verso da capa e da contracapa e a própria contracapa. Digamos que só mesmo a capa tem funções decorativas, tudo o resto é ocupado com mapas e textos.

O cartógrafo húngaro (naturalizado americano) Erwin Raisz assina um artigo que ocupa os versos da capa e da contracapa sobre as diversas projeções cartográficas existentes (imagem acima). Segue-se o tal gazetteer, o índice de países e territórios do mundo com área (em milhas quadradas), população, cidade capital, e localização nos mapas do atlas.

Mapa dos principais locais da Segunda Guerra Mundial na região da Ásia-Pacífico (p. V).

Tratando-se de uma obra publicada em 1948, não podia deixar de incluir referências ao conflito mundial que tinha varrido o mundo poucos anos antes. Assim, inclui um mapa descritivo dos principais momentos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) na Europa e no Norte de África, outro sobre os teatros da guerra na Ásia e no Pacífico (imagem acima) e ainda um terceiro, com 22 pequenos mapas de ilhas e pontos estratégicos do Pacífico.

Seguem-se quadros estatísticos sobre o Sistema Solar, as maiores ilhas, os maiores lagos, os rios mais longos, as montanhas mais altas, etc. As unidades de medida adotadas são sempre as habitualmente usadas nos EUA (milhas, pés, etc.).

Mapas de um mundo em transformação

E assim chegamos à parte dos mapas que é, sem dúvida, a mais interessante. Abre com um mapa-mundo político, na clássica projeção de Mercator, com o continente americano ao centro, não fosse este um mapa americano. Nos planisférios europeus, o comum é que o centro seja ocupado pela Europa e pela África, com a América à esquerda e a Ásia à direita, tendo o meridiano de Greenwich como eixo central do mapa. Não é o caso do planisfério em apreço. Logo neste mapa – e em vários outros – há uma nota que esclarece que as fronteiras mostradas poderiam não representar as fronteiras finais do pós-guerra que só seriam oficiais e definitivas após a assinatura dos tratados de paz.

Como não quero abusar da benevolente paciência do(a) prezado(a) leitor(a), abstenho-me de discorrer alongadamente sobre os muitos pormenores que cada um destes mapas me despertam. Limito-me a fazer uma ou outra observação.

Assim, no mapa da América do Sul, a cidade do Rio de Janeiro é representada com uma estrela por ser, à época, a capital do país. No local onde mais tarde nasceria Brasília, está apenas um retângulo identificado como “Futuro Distrito Federal”, assim mesmo, em português.

Excerto do mapa político da Alemanha, assinalando-se o traçado das fronteiras de 1937, a leste. As cores correspondem às zonas de ocupação: americana a amarelo, britânica a verde, francesa a laranja (não visível neste excerto), soviética a rosa (p. 14).

O mapa da Europa já apresenta as fronteiras que nos foram familiares durante décadas, desde a Segunda Guerra até ao desmoronar da Jugoslávia, da Checoslováquia e da União Soviética, no início da década 90 do século XX. No entanto, a Alemanha apresenta-se como um só país, com capital em Berlim, o que se explica pelo facto de, tanto a República Democrática Alemã (também conhecida como Alemanha Oriental) como a República Federal da Alemanha (conhecida como Alemanha Ocidental), só terem sido criadas em 1949. Por isso, posteriores à publicação desta obra. O mapa da Alemanha mostra o país com as suas fronteiras do pós-guerra, mas, a leste da linha Oder-Neisse, estão ainda marcadas, a tracejado, as fronteiras alemãs de 1937 (imagem acima).

Portugal surge-nos representado num mapa de meia página da Península Ibérica (a Suíça ocupada a outra metade da mesma página), precisamente no meio do atlas (imagem abaixo).

Páginas centrais do atlas, com quatro mapas políticos, sendo um deles da Península Ibérica, onde se incluem pequenos mapas dos arquipélagos da Madeira e das Canárias, e das áreas em torno das cidades de Lisboa e de Madrid. Nestas páginas centrais, são bem visíveis as marchas de ferrugem causadas pelos agrafos, entretanto retirados (pp. 16-17).

Na Ásia, as fronteiras entre a Índia e o Paquistão não estão ainda claramente traçadas, sendo ainda indefinido o estatuto de estados como Hiderabade e Caxemira. Não havia Tailândia, mas Sião. Não havia Vietname, nem Camboja nem Laos, mas sim Indochina Francesa. Nanquim (e não Pequim) era a capital da China (imagem abaixo).

Excerto do mapa político da China e do Japão, incluindo áreas circundantes. Vê-se parte da Birmânia (hoje Myanmar), do Sião (hoje Tailândia) e da Indochina Francesa (hoje, Vietname, Laos e Camboja). Na Coreia está assinalado o célebre Paralelo 38 que, antes da Guerra da Coreia (1950-1953), marcava o limite entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul (p. 25).

A Palestina é mostrada como um só território (o mandato britânico terminava precisamente em 1948), embora se inclua um pequeno mapa com a indicação “Plano de repartição das Nações Unidas” com um estado judeu, um estado árabe e Jerusalém e Belém como territórios de administração internacional (imagem abaixo).

Excerto do mapa político da "Palestina incluindo Israel" no final do mandato britânico, com um encarte do plano da ONU para a criação de um estado judeu e outro árabe (p. 23).

A África estava quase completamente dominada pelos países europeus: uma enorme massa de terra abarcando o Sara e descendo até ao rio Congo era território francês; uma longa fila vertical de países (do Sudão à África do Sul) era domínio britânico; havia o enorme Congo Belga em pleno coração do continente; logo abaixo, as colónias portuguesas de Angola e Moçambique; as possessões italianas (Líbia, Eritreia e Somália) têm uma legenda dizendo que estavam ocupadas militarmente pelos britânicos e que os seus estatutos futuros ainda não estavam determinados (imagem abaixo).

Excerto do mapa político da metade norte do continente africano, numa época em que praticamente todos os territórios estavam dominados por países europeus. Territórios franceses a verde, britânicos e rosa, italianos a amarelo (ocupados militarmente pelos britânicos), espanhóis a laranja, portugueses a roxo (p. 8).

As últimas páginas do atlas são preenchidas com uma série de mapas mostrando o relevo dos diversos continentes e os principais recursos naturais neles existentes (imagem abaixo).

Excerto do mapa do relevo de África com indicação dos recursos explorados. De notar as antigas designações coloniais de territórios que, entretanto, se tornaram países independentes: Rio Muni (hoje Guiné Equatorial), Congo Belga (República Democrática do Congo), Tanganica (Tanzânia), Rodésia do Norte (Zâmbia), Rodésia do Sul (Zimbabué), Niassalândia (Maláui), Bechuanalândia (Botsuana), Sudoeste Africano (Namíbia) (p. 37).

A contracapa do atlas é ocupada por um mapa-mundo na projeção azimutal equidistante, apresentado como o “mapa global para a era aérea”. O texto anexo, anuncia a generalização do uso avião como meio de transporte de longo curso.

Dado o reduzido número de páginas, o atlas é composto por um só caderno que foi agrafado. Mas, setenta anos depois, os agrafos apresentavam-se completamente enferrujados, começando a manchar as folhas. Assim, há três anos, para evitar que a ferrugem continuasse a danificar o livro, retirei os agrafos e mandei coser o respetivo caderno à mão. E, para proteger as capas do atlas, encadernei-o com papel vegetal.

Guerra nunca mais?

Hoje continuo a folhear este atlas com prazer, imaginando todas aquelas pessoas que também o folhearam em 1948. Tendo sobrevivido a um terrível conflito que ceifou umas 80 milhões de vidas humanas, que sonhos e expectativas acalentariam os(as) consulentes do atlas ao contemplar estes mapas de um mundo em transformação? Imaginariam, possivelmente, que, passada a Guerra Mundial, o mundo ia finalmente poder viver em paz e harmonia, que não haveria mais ditadores sanguinários, nem invasões, nem anexações, nem bombardeamentos, nem destruições, nem vítimas civis, porque as pessoas nunca iriam permitir que o pesadelo se repetisse. E, no entanto, como estamos hoje?

Ficha técnica

  • Título: Hammond’s Modern World Atlas and Gazetteer
  • Autor: Erwin Raisz (1893-1968) et al.
  • Data: 1948
  • Edição: 16.ª
  • Idioma: inglês
  • Local: Nova Iorque
  • Editor: C.S. Hammond & Co.
  • Páginas: 7 pp. de texto, 41 pp. de mapas
  • Dimensões: 310 x 240 x 6 mm

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Indicadôr de utilidade pública: Pôrto, 1939

Le Bouquin de Porto - o porquê de um blogue

DGEMN, Paço dos Duques de Bragança, Guimarães, 1960