Atlas: muito mais do que simples coleções de mapas
Nos dias de hoje, quando queremos saber onde fica a cidade de Kherson, qual é o ponto mais alto de África, onde desagua o rio Orinoco ou como se chama a capital do Cazaquistão, basta googlarmos as ditas palavras num qualquer smartphone e, num ápice, temos a resposta. Muitas vezes, o próprio Google encaminha-nos para o Google Maps onde podemos ver a localização exata de tais locais. Em vista de mapa ou de satélite, podemos aproximar o zoom ao ponto de identificarmos os automóveis nas ruas ou afastá-lo até contemplarmos o planeta inteiro. E, como o(a) prezado(a) leitor(a) bem sabe, também temos o Google Earth, o Bing Maps e até o OpenStreetMap, aberto à colaboração de todos, muito à semelhança da Wikipédia.
Mas as coisas nem sempre foram assim. Na era pré-digital nada disto estava à distância de um clique. Era preciso consultar mapas impressos em papel: mapas políticos, mapas físicos, mapas históricos, mapas de estradas, mapas topográficos, etc. E havia livros que eram autênticas coleções de mapas, a que chamávamos atlas.
Sendo geralmente um livro de grande formato, um atlas é, recorrendo à definição do geógrafo checo Vit Vozenilek, «um conjunto selecionado de mapas, compilados sistematicamente e organizados através de uma linguagem unificada de acordo com o conteúdo temático, a extensão espacial e a amplitude temporal». Assim, temos atlas universais, atlas da Europa, atlas de Portugal, etc.
Cada um com as suas características distintivas, os atlas em papel tornaram-se extremamente populares durante os séculos XIX e XX. Entretanto tornados obsoletos, os atlas em papel, enquanto plataformas de difusão da informação geográfica, desempenharam nesse período a função assumida atualmente pelos Sistemas de Informação Geográfica (SIG).
O mito de Atlas, o castigo do titã
Na verdade, a palavra atlas vem da mitologia clássica. Atlas foi um dos titãs que enfrentaram os deuses do Olimpo e, como punição, Zeus condenou-o a suportar eternamente o colossal peso da abóboda celeste.
Atlas, estátua em bronze de 1937, no Rockefeller Center, em Manhattan, Nova Iorque. |
O uso desta palavra no contexto geográfico ocorreu pela primeira vez em 1595 pela mão do cartógrafo, geógrafo e cosmógrafo Gerardus Mercator, autor do Atlas Sive Cosmographicae Meditationes de Fabrica Mundi et Fabricati Figura – qualquer coisa como “Atlas ou meditações cosmográficas sobre o universo e como ele foi criado”. Pelo título deduzimos que, para Mercator, um atlas não era apenas uma coleção de mapas, mas era, acima de tudo, uma descrição de todo o universo e da sua criação. No entanto, depois de Mercator, à medida que mais atlas foram sendo publicados, o sentido que foi prevalecendo foi, de facto, o da coleção de mapas.
Mercator e Ortelius
O livro de Mercator foi o primeiro a usar a designação atlas, mas, antes dele, já tinha sido publicado o Theatrum Orbis Terrarum, de Abraham Ortelius, em 1570, que, apesar de não ostentar o nome, é considerado o primeiro atlas moderno.
Um aspeto curioso que, se calhar, o(a) prezado(a) leitor(a) desconhece é que estes primeiros atlas, publicados no século XVI e seguintes, não eram livros vendidos já encadernados, como hoje acontece. Na realidade, os mapas iam sendo impressos um a um e vendidos avulso. Cada cliente comprava os mapas que mais lhe interessavam. Em certos casos, mandava-os até colorir à mão e, depois, encadernava-os a seu gosto. Isto quer dizer que, com frequência, deparamo-nos hoje com exemplares de um mesmo atlas que apresentam conteúdos diferentes.
Mapa-mundo, Typus Orbis Terrarum, de Abraham Ortelius, 1570. |
Este mundo da cartografia sempre me fascinou! Desde criança que sou um apaixonado por mapas e, consequentemente, por atlas. Ao longo dos anos, fui comprando vários atlas que iam sendo publicados e, mais recentemente, também fui adquirindo obras do século XIX e dos inícios do XX.
Para os acomodar, mandei fazer uma série de prateleiras extra para a minha estante, de modo a poder manter estes livros deitados. É que, como o(a) caríssimo(a) leitor(a) bem sabe, estamos a falar de livros volumosos e pesados. Tenho atlas com mais de meio metro de altura e 10 kg de peso! Isto pode parecer muito, mas não é nada quando comparado com o gigantismo do atlas que o mercador holandês Johannes Klencke ofereceu ao rei Carlos II de Inglaterra – sim, o que se casou com a “nossa” Catarina de Bragança – em 1660 e que mede 176 x 231 cm.
O colossal Atlas Klenche (1660) que se conserva na British Library, em Londres. |
As histórias que os atlas têm para contar
Cada atlas tem uma história para contar. Mas nem sempre ela é evidente. É que os mapas e os atlas têm, pelo menos, duas leituras possíveis. Uma tem a ver com a informação especializada que contêm e que passa pela descodificação dos símbolos utilizados na criação dos objetos cartográficos: a forma como estão representados os desníveis topográficos, os cursos de água, as estradas, as vias-férreas, os limites e fronteiras, etc.
Mas uma outra leitura, incomparavelmente mais interessante, diz respeito ao contexto cultural que os enquadra: o nível de desenvolvimento técnico e tecnológico de cada época e, principalmente, o modo como cada autor utilizou as ferramentas disponíveis para construir e fazer passar determinadas mensagens incorporadas nos mapas. Não raras vezes, a interpretação contextual permite descodificar significados e significâncias não evidentes ao nível da representação cartográfica. A apresentação de áreas geográficas em disputa, o traçado de uma fronteira no mapa, o nome dado a uma certa região, a opção por uma dada ortografia e, até, a escolha de determinada projeção cartográfica em detrimento de outra – tudo isto tem (ou pode ter) leituras político-ideológicas que é interessante desmontar.
Por tudo isto, gostaria de, através de posts neste blogue, apresentar-lhe alguns dos atlas que possuo e explorar algumas das curiosidades que eles encerram. Aceita o desafio de me acompanhar nesta exploração de representações cartográficas do passado?
Venha daí, então!
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